Conheci a Guida numa colónia de férias, eu tinha 10 anos e ela 11 e foi amizade à primeira vista.
Embora a minha família não fosse nada rica, vivíamos num luxo comparado com as dificuldades porque a dela passava.
A Guida nasceu oito dias depois do pai falecer vítima de tuberculose e, a mãe ficou sòzinha e com 3 filhos pequenos para criar.
Lembro-me dessa senhora(hoje com 95 anos)contar que até andou de noite a apanhar papel dos caixotes do lixo para vender de manhã e ter algum dinheiro para alimentar os filhos durante o dia.
Mas tanto ela como os irmãos andavam sempre num brinquinho.
Ainda viveu algum tempo com uma tia mas não foi muito bem tratada e voltou para estudar em Lisboa.
A Guida cresceu e transformou-se numa linda mulher. Loura(mas não burra)e de olhos azuis, fazia em água a cabeça dos amigos do nosso grupo, e não só.
Teve muitos namoricos e, muitas vezes, a seu pedido, lá ia eu fazer de pau de cabeleira porque sòzinha a mãe não a deixava sair.
Não é que eu gostasse muito deste papel mas ia para ela se sentir feliz.
Um dia apaixonou-se por um homem mais velho que depois soube ser também casado.
Viveu um período feliz por um lado mas, angustiante por outro.
Como nesse tempo as raparigas tinham de casar virgens e sobre pressão da mãe que tinha receio que ela ficasse sòzinha, resolveu aceitar o pedido de casamento dum rapaz amigo que parecia ter encarado bem a sua relação anterior. Puro engano como se veio depois a verificar.
Sempre fui contra esse casamento porque ela ia unir a sua vida a um homem de quem não gostava e, no próprio dia da boda, chorei que nem uma Madalena a ponto das olheiras chegarem quase à boca.
E nessa mesma noite começou o martírio que já dura hà 36 anos.
Como eu e o marido não nos dávamos muito bem e, com a sua vida nova, afastámo-nos um bocado embora a amizade continuasse bem forte.
Sempre que ela podia escapar fazíamos os nossos lanchinhos e punhamos a conversa em dia.
Sabia tão bem porque éramos daquelas amigas que nem precisavam falar para saber o que a outra estava pensando.
Claro que esta história também tem momentos felizes. Um ano depois de casar nasceu uma menina linda que, como tínhamos prometido uma à outra, é a minha afilhada do coração e o orgulho desta madrinha velhota. Licenciou-se com 21 anos e é uma excelente profissional e uma boa menina.
Três anos depois chegou um rapazinho que, até hoje também me trata por madrinha.
Gosto muito dele também, embora não se comporte como devia(quem sabe devido às discussões que sempre viu em casa dos pais).
Muitas vezes tenho perguntado à Guida porque não termina com este sofrimento.
Diz-me que vão para velhos e com ele doente tem pena de o deixar. Se não o fez em nova, penso que não será agora que o fará.
Fico triste porque gostava muito de ainda a ver feliz.
Hoje dei por mim a sentir falta desta nossa cumplicidade de meninas. Afinal, os nossos sonhos ficaram quase todos pelo caminho.